terça-feira, 15 de dezembro de 2009

CENÁRIO DANTESCO

Sou um cenário de um palco onde nada se representa. Sou filho de factos sem relevo. Ilustrei-me com o tradicionalismo confuncionista ou, talvez, com as doideiras maoistas, não me lembro; embebedei-me com o alcool do existencionalismo ou na pior das hipóteses, foi com o essencionalismo, vá lá o diabo saber porquê; droguei-me, até à saciedade, com a Beat Generation, ou muito provavelmente, com a Generation do Beat; juro que a memória não me refresca qual delas foi; provei-me com doses industriais de blues tickets, dos jazz hunters e do doop-woop, ou lá o que isso seja; perfilhei as trevas do Beaudelaire, graças às falhas de luz do prédio onde não moro e para não me enraizar em ninguém, traduzi a minha idolatrada nudez, com a bestialidade universal dos que nunca foram o feitiço das suas feitiçarias, ou seja, bruxos de garimpa levantada.
Tenho consciência que sou uma revolução, involuída, de cores e sons, gastos nos prazeres da aridez sexual que o degelo dos crepúsculos disfarça com os sorrisos petulantes de crises diárias, ungidas com um Álvaro de Campos, que numa mensagem de ilusões ópticas e metafísicas me ensarilham o tempo de nada. Todos estes factos revelam a virgindade testiscular da desvirgindade envelhecida pelas influências tentaculares das minhas ignorâncias, consumidas com o lazer de querer ignorar as razões, pelas quais, geme este palco, onde tudo é nada e o nada é o tudo que não se engrena, porque não há ninguém com a mão numa caixa de velocidades e nada há para ensopar com sopinhas de pão seco.
Sou uma cena única num teatro de ninguém, a não ser de quem o tem, que sou eu e mais ninguém.
Eis a beleza e a torpeza de um cenário que é a crueza da sua natureza, nos concertos das suas realidades passageiras, com passagem directa para o inferno dantesco. A propósito, quem diabo é o raio do Dante?

Centro Cultural de Belém, 13/12/2009 - 16H52
Biblioteca de Oeiras, 15/12/2009 - 12h07
Jorge Brasil Mesquita

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